quarta-feira, janeiro 25, 2012

Um olhar para o Céu

Trilha: Mazzy Star -  Into Dust
 
    Abriu a porta da cozinha, esperou, para ver se uma voz vinda do quarto a faria desistir. Silêncio. Saiu, fechou a porta. Caminhou por um corredor escuro até o portão que dava para a rua. Já passava das duas da manhã. Detestava andar de madrugada por aí. Ainda mais sozinha. De madrugada as sombras mudavam de forma, a ausência de vozes, carros, pássaros a deixava confusa. Mas seria rápido. Sua casa ficava a uns 4 quarteirões.
    A angústia percorria o seu corpo. E ela conhecia bem essa sensação. Um aperto no peito, uma oscilação entre o quente e o frio que a fazia suar e tremer ao mesmo tempo. Um sentimento de isolamento.
    A noite estava fresca. Noite de primavera! Mas sentia frio e começava a andar cada vez mais rápido, embora não quisesse chegar em casa. Em casa a angústia era maior do que ali, sozinha, no meio da rua. Olhava ao redor o tempo todo, como que tentando antever algum perigo de que fosse possível escapar. Procurava nas árvores, atrás dos postes, nas sombras. Até que olhou o céu. 
    Voltou menina.
    Devia ter uns 8 anos. Viajava de ônibus com o pai para a casa da avó. Rostinho colado no vidro, olhando o céu estrelado. Não sabia que seus olhos naquele instante brilhavam mais que o céu visto. Estrelas de todos os tamanhos, de diferentes cores, umas mais vermelhas, alaranjadas, a maioria azuis, esbranquiçadas. Diziam que as azuis eram frias. Mas se estrelas eram feitas de fogo, como poderiam ser frias? Anos mais tarde aprendeu, remexendo o congelador, que o gelo podia queimar. Mas, naquele momento, ainda não sabia disso. Então achou estranho que houvesse estrelas frias.
    O que importa é que tudo o que sabia a respeito do universo era simplesmente fascinante. Sabia que quando se olhava para o céu era o passado que estava vendo. E ficava agitada tentando imaginar a luz de uma estrela percorrendo rapidamente o universo até chegar ali, ao seu céu. Tinha certeza plena de que havia seres inteligentes em outros planetas e sabia que, do mesmo modo, haveria alguém olhando para ela.
    O que não sabia ao certo, era se haveria alguém olhando por ela naquela imensidão. Nunca conseguiu descobrir.
    Mesmo assim sentia-se protegida. Era como se a palavra universo significasse um cobertor que não existe para cobrir, mas para proteger, para acolher. Era como se sentia ouvindo seu pai contar sobre como o sol era maior que a Terra, e como o sol era uma estrela pequena em comparação com outras, e como havia bilhões de estrelas. E como a Via Láctea era apenas uma galáxia em milhões. E como as nebulosas com seus gases e poeira tomavam formas que pareciam mensagens muito familiares.
    Só o fato de saber que a Terra estava suspensa no meio do nada era assustador o bastante para dar-lhe segurança no mundo. Estar sozinha não era tão solitário porque se sentia parte de alguma coisa. De um lugar cheio de coisas explodindo em silêncio, queimando, congelando, espalhando, contraindo. 
    Subitamente retornou dos céus, olhou a rua vazia, silenciosa e fria, e continuou caminhando até sua casa.
    Ela não sabia. Demorou a descobrir. Mas naquele momento se dava conta de que seu pai queria que ela achasse o mundo extraordinário. Não era para achar lindo e ponto. Era para achar extraordinário e não se acostumar nunca com ele. Ele não queria que ela se acomodasse. Tudo que existia era para ser motivo de espanto.
    Como os navegantes que, durante séculos, precisavam olhar para o céu e encontrar a constelação Cruzeiro do Sul para se localizarem, assim havia sido com Elisa por muitos anos. Até que um dia simplesmente esqueceu que havia o céu.
    Naquela noite, porém, ao elevar displicentemente sua cabeça para cima, conseguiu se lembrar de que havia uma forma, muito íntima, de reordenar o caminho quando parecia perdida. Só precisava relembrar.
     Entrou em casa sem fazer ruído e sem acender nenhuma luz.
    Minutos antes teria ido direto para seu quarto, colocado seu pijama e deitado bem encolhidinha em sua cama, apertando os cobertores, como fazia quando criança.
    Naquela noite, não.
    Passou pela cozinha, de onde trouxe uma garrafa de vinho. Foi para a varanda, sentou num banquinho, encostada na parede externa de seu quarto, e deitou a cabeça para trás, para ver o céu. Límpido. E, com a ajuda daquela menina, buscando com os olhos algo de extraordinário para acolher, tentou descobrir onde estava.

2 comentários:

  1. Belo texto. Sinto algo bastante parecido! Quando sai o romance?

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  2. Ideias estão começando a surgir... Quem sabe daqui uns 10 anos...

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