sábado, janeiro 21, 2012

Um encontro

    Mais uma manhã ensolarada numa cidade do interior de São Paulo. Cidade pequena, sol, ruas largas, árvores cheias. Tomo um gole de café, pego a guia e chamo Mike, meu cão, para o passeio diário.
    Mike adora passear. Quando me vê com a guia na mão enlouquece, começa chorar, correr em círculos e fica tão agitado que tenho que falar firme com ele para fazê-lo parar e esperar eu colocar a guia, que parece um colete. Meu medo é de que ele saia correndo pela rua e seja atropelado, ou que arrume briga com outros cães, ou gatos, ou outro bichinho qualquer.
    No passeio ele corre feliz, cheira o chão, a grama, os postes, árvores, carros, sacos de lixo, olha para mim, chora, puxa a coleira, implicando com ela. Começa a correr e eu acelero o passo para que ele possa se sentir mais livre. De repente ele rompe o ritmo, cheira bem um cantinho, ergue a perninha direita e faz xixi, bem pouquinho. É assim o caminho todo.
    Ele vai cansando, mas feliz. O caminho é uma rua de terra comprida e isolada, cheia de mata ao redor e tem um grande lago ao lado. Fico com pena e o solto. Ele sai correndo para todos os lados ao mesmo tempo, como se não soubesse para onde está indo, mas como se soubesse que precisa correr para todos os lados ao mesmo tempo, para sentir isso, todos os cheiros, e demarcar todos os espaços por onde passaram outros animais, antes que seja preso.
    No caminho de volta o prendo novamente. Ao chegar em casa tiro a coleira de seu pescoço sempre do mesmo modo. Eu desamarro da cintura e ele puxa a cabeça para baixo para se livrar. E corre em direção à vasilha de água, bebe bastante, abanando o rabinho. Depois deita no chão, em algum lugar fresco, encostado na parede e fica ofegante ainda por alguns minutos. Seu ar esbaforido parece muito mais um sinal de exaltação do que cansaço. Parece estar plenamente satisfeito. E eu penso: “quem me dera poder ficar tão satisfeita com uma simples caminhada matinal... Que boa vida tem esse cão”.
    Inicio meu dia de trabalho. Muita leitura, correção de texto e fadiga mental pela frente. Horas depois, o almoço. Esquento o que sobrou da janta de ontem, como rápido, faço um café e volto à leitura. Mas estou de saco cheio. Entediada. Preciso parar.
    Olho para Mike, que dorme à vontade e penso em outra caminhada.
    Mesmo processo.
    Mas, dessa vez, ao soltá-lo no meio do mato, eis que me aparece um cachorrinho vira-latas. Assusto e me preparo para pegar Mike por medo de que briguem. Espero. Não brigam. Encontram-se face a face, cheiram um ao outro. Balançam o rabo... Parecem se agradar um do outro. Fico apreensiva.
    “Pegue ela pra você. Ela é boazinha. Está aqui há dias. Eu dou resto de comida, os vizinhos também, mas ela não está bem. Precisa de um dono”, diz um senhor que passa com varas de pesca nas costas, a caminho do lago.
    Me assusto por ser pega de surpresa. Como ela teria aparecido? Teria dono ou seria mesmo um cachorrinho de rua? "Não posso pegar para mim", penso. Os dois estão brincando, correndo um atrás do outro.
    Decido voltar para casa. Começo a chamar Mike, que vem em minha direção. Ela vem atrás. Acelero o passo. Eles também, juntos, alegres da vida. Paro, prendo Mike. Acelero o passo. Entro em casa quase correndo e fecho a porta. Ela veio atrás, mas deve desistir e desaparecer.
    Olho da janela. Lá está. Deve estar com fome.
    Abro a porta rapidamente e coloco uma vasilha de ração e outra de água na garagem. Espero que ela coma e vá embora pela manhã. Mais tarde torno a vigiar e vejo que ela não comeu. Está deitada na garagem e não me parece muito bem. Decido ver o que está acontecendo.
    Vou até ela e vejo que é muito mansa. Deitada com o corpo para frente, de orelhinhas baixas, balança o rabinho. Na certa está indisposta, deve comer lixo. Entro em casa e pego uma colher de um remédio para o estomago, um remédio infantil, que uso para Mike. Na garagem, agacho, abro a boca dela e despejo rapidamente o xarope. Ela balança o rabinho, inocente. "Que inocente", penso.
    Entro em casa. Vou dormir. Não é problema meu. Tomara que amanhã não esteja mais lá. Exausta, durmo rápido.
    A noite parece voar porque acordo de repente e vejo que já é dia. Onde está? Foi embora?
    Não, está na garagem e quando me vê vem toda feliz abanando o rabinho, pulando em mim, querendo brincar. Sei das responsabilidades em se ter um cão, sei do trabalho que dá e sei que não posso ficar com ela. Mas acho que ela ainda não está bem o bastante.
        Com o passar dos dias vejo que ela começa a comer. Precisa ir ao veterinário. No veterinário ela toma as vacinas e após os exames fica certo que é um cão saudável, só um pouquinho intoxicado pelas tranqueiras que comia, e que são responsáveis por algumas feridinhas que apresenta no corpo.
    “Conforme for se alimentando bem, as feridas vão sendo curadas”, diz o veterinário. Tudo certo.
    Foi a melhor decisão, ficar com ela. Não sei ao certo se foi ela quem decidiu ficar comigo, mas penso que a decisão foi minha e que seremos felizes. Mike fica super feliz, muda de comportamento, começa a ficar brincalhão e com o passar dos dias tornam-se inseparáveis. Passeiam juntos, dormem juntos, brincam, comem e se refestelam no sol, juntos.
    A partir daí, ela passa a dormir no quintal, ao lado de Mike. E passa a ser chamada de Lilli. Entre todas as contradições possíveis, parece que ganhei um cão.

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